Segundo o Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre
em Direito Penal pela USP, Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG e
Co-coordenador dos cursos de pós-graduação transmitidos por ela. Foi
Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e
Advogado (1999 a 2001), Luiz Flávio Gomes, "a regra constitucional é a de que as obras, serviços, compras e
alienações da Administração Pública serão contratados mediante processo
de licitação pública (art. 37, inciso XXI, da CF/88). Excepcionalmente, no entanto, a Lei 8.666/93,
que regulamentou o mencionado dispositivo constitucional no que tange
às licitações e contratos da Administração Pública, traz hipóteses nas
quais a licitação pode não ser realizada. A licitação é um procedimento
administrativo de observância obrigatória (em tese) pelas entidades
governamentais, pautado na igualdade entre os participantes e com o
intuito de obter a melhor proposta dentre as apresentadas pelos
interessados.
Como dissemos, é possível que a licitação não
ocorra e estas hipóteses estão insertas em dois grupos; o primeiro é o
das inexigibilidades e o segundo das situações de dispensa da licitação.
É inexigível a licitação quando ela é juridicamente impossível. Há
dispensa de licitação quando, embora possível sua realização, a lei
dispensa o procedimento.
Veja-se assim que ou a lei permite a
não realização da licitação, ou ela é impossível de ser feita (pela
inviabilidade de competição) ou ela há de ser feita, sob pena de se
configurar o crime previsto no artigo 89, da mencionada Lei 8.666/93, in verbis :
Art. 89. Dispensar
ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de
observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:
Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo
único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente
concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa
ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.
Recentemente
o STJ entendeu (HC 171.152) que o crime em tela é de mera conduta. Para
a Sexta Turma do Tribunal da Cidadania, o crime de dispensa ou
inexigibilidade ilegal de licitação não depende de prejuízo ou fraude
efetiva ao erário, bastando a mera conduta irregular para sua
configuração.
O julgamento se deu nos autos do HC 171.152 , cuja
defesa pedia absolvição do acusado (ex-vice-prefeito de Mogi Mirim) por
faltar justa causa à ação penal, já que não houve por parte do
impetrante a intenção de prejudicar a Administração ao deixar de
proceder à licitação prévia de um contrato com uma empresa de
terraplanagem. Para o relator, Ministro Og Fernandes, no entanto, a
caracterização do crime ocorre com a presença do dolo genérico", afirma Luiz Flávio.
O que diz a jurisprudência:
HABEAS CORPUS Nº 171.152 - SP (2010/0079761-0)
RELATOR : MINISTRO OG FERNANDES
EMENTA
HABEAS CORPUS . DISPENSA DE LICITAÇAO FORA DAS HIPÓTESES LEGAIS. ART. 89, DA LEI Nº 8.666/93. COMPROVAÇAO DE DOLO ESPECÍFICO OU PREJUÍZO À ADMINISTRAÇAO. DESNECESSIDADE.
1. Segundo a iterativa jurisprudência desta Casa de Justiça, o crime previsto no art. 89, da Lei nº 8.666/93
é de mera conduta, não havendo a exigência, para sua caracterização, da
comprovação do dolo específico de fraudar o erário ou de causar
prejuízo à Administração. Precedentes.
2. Na hipótese, o
paciente, no exercício do cargo de Vice-Prefeito, teria firmado,
verbalmente, contrato com empresa de terraplanagem, sem a prévia
realização de licitação.
3. De se acrescentar que as instâncias
ordinárias aludiram ao fato de que a contratação ocorreu sem que
existisse previsão legal nem situação emergencial.
4. Além
disso, a condenação do paciente foi confirmada em sede de apelação e
também através de revisão criminal. Chegar-se a conclusão diversa
demandaria a incursão no conjunto fático-probatório, providência vedada
na via eleita.
5. Ordem denegada.
O cuidado que temos
que ter, no delito ora enfocado, é o de não admitir referido delito por
razões meramente burocráticas (administrativas). Não temos dados
concretos para dizer se, no caso concreto, teria havido puramente um
erro formal ou se a inexigibilidade da licitação podia claramente ser
evitada. Tudo isso depende da análise do caso concreto. De qualquer
modo, queremos só registrar nossa preocupação: nenhum crime pode ser
admitido sem ofensa ao bem jurídico. A inobservância de procedimentos
formais podem dar ensejo a outro tipo de sanção. Para o Direito penal o
fundamental é a ofensa ao bem jurídico.